Antes

Mesmo na noite mais triste / em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não
(Manuel Alegre, Trova do vento que passa)
Durante

Cobre-te canalha / Na mortalha / Hoje o rei vai nu
Os velhos tiranos / De há mil anos / Morrem como tu
Abre uma trincheira / Companheira / Deita-te no chão
Sempre à tua frente / Viste gente / Doutra condição
Ergue-te ó Sol de Verão / Somos nós os teus cantores /
Da matinal canção / Ouvem-se já os rumores /
Ouvem-se já os clamores / Ouvem-se já os tambores
Livra-te do medo / Que bem cedo / Há-de o Sol queimar
E tu camarada / Põe-te em guarda / Que te vão matar?
(Zeca Afonso; canção: Coro da Primavera)
Depois
Ei-la a cidade envolta em dor e bruma / Ei-la na escuridão serena resistindo/
Hierática Estranha Sem medida / Maior do que a tortura ou o assassínio/
Ei-la virando-se na cama / Ei-la em trajes menores Ei-la furtiva/
seminua sensual e no entanto pura / Noiva e mãe de três filhos Namorada/
e prostituta Virgem desamparada / e mundana infiel Corpo solar desejo/
amor logro bordel soluço de suicida/
Ei-la capaz de tudo Ei-la ela mesma / em praças ruas becos boîtes e monumentos/
Ei-la Santa-Maria-Ateia maculada / ignóbil e miraculosamente erecta/
branca quase feliz quase feliz.
(Daniel Filipe, A invenção do amor)